As mandigueiras
Tanto tempo, tanto lastro deu vários mercados num só, o do peixe, o da carne, o do açaà ? fruta amazónica que se tornou um hábito brasileiro, adoçado com guaraná, banana e granola, mas que na Amazónia se toma amargo e com farinha de tapioca.
E entre os vários edifÃcios, sacos de castanha-do-pará, cheiro de coentro e maracujá, pilhas de camarões que certamente vão acabar num tacacá, a sopa tradicional da região: camarão seco, goma, jambu (erva ligeiramente anestesiante) e tucupi (o suculento suco extraÃdo da mandioca ao fim de longa fervura).
 "Unha-de-gato", lê-se num frasco, e por aà vai: sebo de carneiro ou banha de tartaruga ou este leite "usado para secreções no peito e pulmão".
Banca de óleos. "Viagra natural", "É uma raiz, a marapuama." O nome quer dizer "madeira potente" "serve tanto para mulher como para homem".
Frascos coloridos: jucá (uma fava), catuaba (uma casca), arranca-toco (uma raiz), moleque-seco (uma erva), membro-do-macaco "É uma raiz. É proibida. A gente paga multa para o Ibama?" O Instituto do Ambiente.
Incluindo as poções de amarrar amante fujão: "Agarradinho, Carrapatinho, Chega-te-a-mim, Chora-nos-meus-pés, Busca-longa, Corre-atrás, Vai-e-volta, Sexo-de-boto-tucuxi?" Os botos tucuxis são uma espécie de golfinho cinzento da Amazónia, e há toda uma rede de lendas sobre os botos engravidarem as mulheres. "Isso é muito procurado. Não tem nada do sexo do boto, são só ervas?"
Tal como a Unha-de-gato na verdade é um cipó da floresta. Mas quem traz tudo isto? "Os caboclos trazem e vendem para a gente, vêm lá do interior." São ribeirinhos, vivem em casas de estaca, movem-se de canoa, plantam hortas. População rural da Amazónia.
Tem as barracas das ervas para banhos, "catinga-de-mulata, mangerona, pataqueira, abre-caminho? banho cheiroso, para atrair coisas boas".
Tão antiga quanto as lendas que povoam o imaginário amazônico, a tradição de tomar banhos com os aromas do patchouli, alfazema, alecrim, priprioca, jasmim, sândalo e talo de mandioca, dentre outros, faz parte da cultura parauara. É mais difÃcil encontrar um paraense, nascido e criado no Estado, que nunca tenha experimentado um banho de cheiro do que o contrário. E a variedade dos aromas e suas aplicações é tão grande que, além da divulgação maciça nos meios de comunicação, o assunto já é um clássico da literatura: no livro "Banho de Cheiro", a escritora Eneida de Moraes descrevia as maravilhas do "Banho da Felicidade" e seus encantos; isso em 1962.
Não se sabe exatamente se o trabalho das erveiras é uma herança indÃgena ou cabocla. De uma coisa todas têm certeza: a tradição é centenária e vai sendo repassada, orgulhosamente, de mãe para filhos.